M.Brey – Assessoria Jurídica & Compliance

M.Brey Advogados
contato@marcelabrey.adv.br

O Oscar 2024 e o Dia Internacional da Mulher: Reflexões para hoje e sempre!

O Oscar 2024 e o Dia Internacional da Mulher: Reflexões para hoje e sempre!

Durante e após os festejos do Dia Internacional da Mulher tenho o hábito de refletir sobre o seguinte questionamento: numa sociedade (global) tão complexa, na qual frequentemente temos ouvido e visto, dia após dia, o enfrentamento das mais variadas formas de violência contra a mulher e luta pela igualdade de gênero, teríamos algo, de fato, a comemorar?

Digo isso, porque no Brasil, infelizmente, quatro mulheres são mortas por dia. Elas são vítimas de feminicídio.

Isso significa dizer que uma mulher morreu apenas pelo fato de ser mulher.

Em 2022, 1.400 mulheres foram vítimas de feminicídio em nosso país. Os dados publicados em março de 2023 apontaram que, em 2022, uma mulher foi morta a cada seis horas no nosso país. Portanto, quatro mulheres são mortas por dia.[2]

Em 2022, 35 mulheres foram agredidas física ou verbalmente por minuto no Brasil e 45% das mulheres vítimas de violência não fizeram nada após sofrer o episódio mais grave.[3]

Os dados aqui expostos, são trazidos de forma muito sucinta. Mas, essa é a nossa triste realidade!

Ocupamos o QUINTO LUGAR no ranking de assassinatos de mulheres no mundo, segundo dados do Instituto Patrícia Galvão,[4] obtidos em 2023. Em 2010, o Brasil ocupava a SÉTIMA posição no ranking.

Mas, a violência contra a mulher não respeita fronteiras entre os Estados nações. Ela ultrapassa essa linha, não importa a raça, a etnia, a nacionalidade, a condição socioeconômica da mulher. Razão pela qual, a violência é transnacional, estrutural e uma ferida global.

Dados da Organização Mundial da Saúde do ano de 2021[5] estimaram que, no mundo, cerca de 1 a cada 3 das mulheres foram sujeitas a algum tipo de violência física ou sexual. É o maior problema de saúde pública e uma das maiores violações de direitos humanos das mulheres.

A violência afeta negativamente a saúde física, mental, sexual e reprodutiva das mulheres e, em alguns locais, podem aumentar o risco de contrair HIV.

A UN Women ressalta que

globalmente, estima-se que 736 milhões de mulheres – quase uma em cada três – foram sujeitas a violência física e/ou sexual por parceiro íntimo, violência sexual por não parceiro, ou ambas, pelo menos uma vez na vida (30 por cento das mulheres com 15 anos ou mais). Este número não inclui o assédio sexual.[6]

Sem contar no impacto econômico. A Convenção 190 da OIT (em processo de ratificação pelo Brasil) estabelece novas normas globais com o objetivo de acabar com a violência e o assédio no mundo do trabalho. Esse instrumento pretende auxiliar as organizações, instituições e empresas no enfrentamento da violência contra a mulher e considera

que a violência doméstica pode afetar o emprego, a produtividade, a saúde e a segurança, e que os governos, as organizações de empregadores e de trabalhadores e as instituições do mercado de trabalho podem ajudar, como parte de outras medidas, a reconhecer, enfrentar e abordar os impactos da violência doméstica.[7][8]

Mas, o que dizer, no ano de 2024, 48 anos após o início das comemorações do Dia Internacional da Mulher pelas Nações Unidas,[9] para o enfrentamento da igualdade de gênero e contra qualquer tipo de violência e discriminação? Teríamos de fato avançado?

Quais ações podemos celebrar quando ainda nos deparamos com menor presença feminina em cargos de liderança? Como podemos atingir as metas do ODS 5?

A UN Women ao celebrar a data (08 de março de 2024) salientou a necessidade e conclama a todos os países, as organizações, instituições e empresas com o tema “Investir nas mulheres: acelerar o progresso” em meio as complexidades e desafios do mundo emergente. Atualmente, o mundo enfrenta crises geopolíticas, o escalonamento dos conflitos armados, aumento dos níveis de pobreza e os impactos oriundos das mudanças climáticas.  Segundo a UN Women “ao investir nas mulheres, podemos desencadear mudanças e acelerar a transição para um mundo mais saudável, mais seguro e mais igualitário para todos.[10]

Como podemos contribuir para que realmente todas as pessoas tenham acesso as mesmas oportunidades? Para atingir essa meta é essencial reconhecer

uma abordagem inclusiva, integrada e sensível ao gênero, que aborde as causas subjacentes e os fatores de risco, incluindo os estereótipos de gênero, a multiplicidade e a intersecção das formas de discriminação, e a desigualdade das relações de poder com base no gênero (OIT, Convenção 190).

Essa abordagem inclusiva, integrada e sensível ao gênero é um procederessencial para acabar com a violência e o assédio no mundo do trabalho(OIT, Convenção 190). Esse é um ponto que requer a nossa atenção, enquanto membros e profissionais da sociedade civil.

Não basta reconhecermos a violência contra a mulher, precisamos agir, responder e abordar os impactos que ela causa nas relações de trabalho, na economia e na sociedade.

Vivemos no século XXI e nos beneficiamos dos avanços tecnológicos. Estamos conectados. Mas, parece que retrocedemos quando falamos a respeito da ética que envolve a convivência de uns com os outros, justamente porque a violência contra a mulher persiste em impactar negativamente a humanidade.

Ela está presente nos espaços públicos e privados e ameaça a preservação dos direitos fundamentais das mulheres, razão pela qual, a violência e o assédio contra a mulher no ambiente organizacional devem ser prevenidos.

Se desejamos uma sociedade menos violenta, as organizações, instituições e empresas também tem de exercer o seu papel moral e auxiliar a construção de um ambiente de trabalho mais sadio. Devem ser criadas políticas para superar desigualdades sociais e estruturais.

Portanto, as organizações como um todo devem tomar medidas eficazes na sua governança para prevenir e lidar com essas ações que impactam não somente a vida da mulher, mas todo o seu entorno. Tais como: a) gestão de risco; b) implementação de controles eficazes; c) investimento em ações de letramento, com workshops e palestras desde a alta gestão, estendendo-se a todas as pessoas e stakeholders.

O entorno deve ser compreendido para além das relações interpessoais da colaboradora vitimizada, pois por impactar a sua saúde emocional e atingir a produtividade, o efeito da violência pode ser percebido, também, no ambiente organizacional, afetando a economia.

E o que dizer da celebração do Oscar de 2024? Ao assistir a cerimônia (domingo, 10 de março de 2024), após os festejos do Dia Internacional da Mulher e ver três incríveis mulheres concorrendo a estatueta do Oscar de Melhor Filme (os três longas foram dirigidos por mulheres), posso afirmar que sim, temos muito a comemorar!

Talvez, a inclusão e a ocupação de mulheres nos espaços, onde historicamente eram compostos por homens, não esteja avançando na velocidade que gostaríamos. No entanto, alguns detalhes podem estar contribuindo para um avanço: três mulheres (Greta Gerwing, com o filme “Barbie”; Justine Triet, com o filme “Anatomia de uma Queda”; e, Celine Song, com o filme “Vidas Passadas”) concorreram a prestigiada estatueta do Oscar de melhor diretora (posição ocupada majoritariamente por homens) e três mulheres incríveis apresentaram, no Brasil, a celebração do Oscar 2024 na rede HBO Max (as apresentadoras Ana Furtado, Aline Diniz e Andreia Horta).

Esses fatos fizeram relembrar a minha defesa no programa de Pós-graduação em Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, onde três mulheres, excelentes professoras e pesquisadoras da Academia, estavam discutindo, lendo, refletindo sobre a minha pesquisa científica. Note que a banca era presidida por um homem, meu orientador, que muito sensível à temática exposta (violência de gênero – conflitos armados – perseguição religiosa) teve a ideia de compor a banca exclusivamente por mulheres.

Sim, esses fatos são um prelúdio de que realmente estamos avançando!

Não se trata de uma luta de nós (mulheres) contra os homens, mas de uma parceria inigualável, o que muito bem pode ser visto com a diretora e roteirista Justine Triet e seu marido, o cineasta francês Arthur Arari. Ambos trabalharam e escreveram o roteiro durante o lockdown, em casa, cuidando dos filhos, durante o enfrentamento da pandemia do COVID-19.[11] [12]

Por fim, esse artigo visou contribuir para a reflexão a respeito de ações de impacto, rumo a transformação real da nossa sociedade, para que, enfim, tenhamos melhores dias, uma sociedade menos conflituosa, mais inclusiva e, por consequência, mais sustentável. O agir de hoje é, antes de tudo, um chamado a todas as pessoas e organizações para “investir nas mulheres e defender a igualdade de gênero visto que impulsiona um futuro em que todos na sociedade possam prosperar, criando um mundo de oportunidades ilimitadas e empoderamento para todos”.[13]

 

 

[1] Doutoranda em Ciências do Envelhecimento USJT. Mestra em Direitos Humanos FDUSP.  MBAs em: Compliance na área da Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio Libanês; Direito Médico e da Saúde; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Direito Penal. Conselheira do Instituto Brasileiro de ESG. Advogada, Consultora e Professora – Gestão de Riscos – Assédio Moral e Sexual. Autora do livro “A violência sexual como arma de guerra sob o olhar dos Direitos Humanos: Nadia Murad e o discurso ideológico do Estado Islâmico”. Membra da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB-SP. Associada da ABNT.

[2]  MACHADO, Simone. Feminicídio: 4 mulheres são mortas por dia no Brasil – por que isso ainda acontece com tanta frequência? BBC News Brasil. 05 setembro 2023. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cqqg2ezpk3po. Acesso em: 20 nov. 2023.

[3] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. 4ª ed. 2023. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/visivel-e-invisivel-a-vitimizacao-de-mulheres-no-brasil-4a-edicao-datafolha-fbsp-2023/. Acesso em: 21 nov. 2023.

[4] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil. 4ª ed. 2023. Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/visivel-e-invisivel-a-vitimizacao-de-mulheres-no-brasil-4a-edicao-datafolha-fbsp-2023/. Acesso em: 21 nov. 2023.

[5] WORLD HEALTH ORGANIZATION. Violence against women: key facts. 09 março 2021. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-women#:~:text=Estimates%20published%20by%20WHO%20indicate,violence%20is%20intimate%20partner%20violence. Acesso em: 20 nov. 2023.

[6] United Nations Women. Facts and figures: Ending violence against women.  Disponível em: https://www.unwomen.org/en/what-we-do/ending-violence-against-women/facts-and-figures. Acesso em: 11 mar. 2024.

[7] INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. ILO Conventions. Eliminating Violence and Harassment in the World of Work: Convention 190, Reccomendation nº 206, and the accompanying Resolution. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/—dgreports/—dcomm/—publ/documents/publication/wcms_721160.pdf. Acesso em: 11 mar. 2024.

[8] Leia mais sobre esse tema em: BREY, Marcela B.; AMORIM, Mayara P., Violências de gênero no âmbito do trabalho sob à ótica da Convenção 190 da OIT: uma análise estrutural da organização das relações de trabalho no Brasil. In: VEIGA, Fábio da S.; XAVIER, João P. (Orgs.). Análise crítica dos direitos humanos, Porto-Coimbra: Instituto Jurídico de Estudos Jurídicos e Coimbra Business School, 2024, p. 298-308.

[9] BRASIL. Senado Federal. Dia Internacional das Mulheres tem ligação direta com o movimento operário. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2024/03/08/dia-internacional-das-mulheres-tem-ligacao-direta-com-o-movimento-operario#:~:text=O%20DIA%20INTERNACIONAL%20DAS%20MULHERES%20%C3%89%20CELEBRADO%20EM%20TODO%20O,TIPO%20DE%20VIOL%C3%8ANCIA%20E%20DISCRIMINA%C3%87%C3%83O. Acesso em: 10 mar. 2024.

[10] UN Women. International Women’s Day. Disponível em: https://www.unwomen.org/en/get-involved/international-womens-day?gad_source=1&gclid=CjwKCAiA0bWvBhBjEiwAtEsoW2Bq5_O-zLktMmXXedkNk4u_8-N60oSvoGKFjrMkb-PbcweHVWM-ehoChLIQAvD_BwE. Acesso em: 11 mar. 2024.

[11] LE MONDE. Aux Oscars 2024, Justine Triet évoque sa « crise de la quarantaine » et les couches de ses enfants. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jGpesiLzeAM. Acesso em: 11 mar. 2024.

[12] FABRE, Clarisse. « Anatomie d’une chute » poursuit son incroyable parcours avec l’Oscar du meilleur scénario original. Le Monde. 11 mar. 2024. Disponível em: https://www.lemonde.fr/culture/article/2024/03/11/avec-l-oscar-du-meilleur-scenario-original-anatomie-d-une-chute-poursuit-son-incroyable-parcours_6221338_3246.html. Acesso em: 11 mar. 2024.

[13] UN Women. International Women’s Day.  Disponível em: https://www.unwomen.org/en/get-involved/international-womens-day?gad_source=1&gclid=CjwKCAiA0bWvBhBjEiwAtEsoW2Bq5_O-zLktMmXXedkNk4u_8-N60oSvoGKFjrMkb-PbcweHVWM-ehoChLIQAvD_BwE. Acesso em: 11 mar. 2024.